Monday, March 24, 2008

"Após o prazer ficaremos mudos."

Falar do amor não é fácil, e muito mais difícil é defini-lo. Segundo Camões, “O amor é fogo que arde sem se ver/ É ferida que dói e não se sente/ É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer”.
Ao longo do tempo, na literatura portuguesa, a temática romântica tem sido uma constante, o que percebemos certamente, dado que é o sentimento mais forte que todos temos dentro de nós. Será que é dentro de nós? Como é que sentimos? Como é que gostamos? Como é que amamos? Não consigo dizer por outras palavras. Não consigo explicar nem definir, mas também não é isso que pretendo!
Será que expressar os nossos sentimentos por palavras, fica sempre aquém do que realmente sentimos? Talvez. Quando sentimos o que dizemos. Também podemos dizer e não estar a sentir… é aí que a língua nos atraiçoa. Quando estamos apaixonados queremos ouvir a verdade, que pode ser dura ou não, ou a mentira, que pode ser doce mas manter-nos na ilusão? Nem eu sei responder! Talvez um pouco de tudo, conforme as situações, pois tudo é relativo. Será?

Para mim expressar o amor, um sentimento tão profundo, parte de um conjunto de atitudes. Amar não é só dizer “amo-te”. Amar é sentir. Amar é partilhar. Amar é tocar na alma do outro, não com as mãos, não com as palavras, mas com a nossa alma também. Parece absurdo, mas não é. Porque inexplicavelmente é isso que sinto e quero sentir até ao fim dos meus dias. Quero que a minha alma seja tocada pela alma de quem eu amo. E o que o amor tem de inteligível, também tem de sensível mas de imaterial também: o carinho, as palavras, a ternura, os olhares, o desejo.
Quando digo “amo-te” digo-o com o coração. Mas porquê o coração? Afinal é um órgão vital. Não é com o coração que sentimos. Ou é? Afinal como sentimos? Com o cérebro?! Talvez. Cada vez mais me surgem dúvidas na minha cabeça, e cada vez tenho menos respostas. Impõe-se então a expressão cliché (e extremamente filosófica!): “quanto mais sei, mais vejo que perante o que há para saber, nada sei”. Mas às vezes as respostas não são importantes, porque é com o tempo que elas chegam, e podem não vir todas, mas virão certamente as que nós precisamos.
Discordo totalmente quando ouço na rádio a canção dos Clã, “Problema de Expressão”, que ao dizer “amo-te” fica sempre melhor na língua inglesa. Concluo que realmente dizer uma coisa destas é que é um problema de expressão! É a nossa língua e por isso devemos respeitá-la e compreendê-la, usá-la para exprimir o que sentimos, embora isso nunca seja totalmente possível. “Amo-te” é igual a “I love you” mas se calhar para nós, falo, para mim, faz mais sentido e tem mais significado dizer “amo-te”, não só porque é parte de mim, da minha cultura, da minha identidade como pessoa no mundo, mas também porque sinto cá dentro que é o que devo dizer.
“O amor, digo eu que nada sei dele, assemelha-se mais com a trama de Penélope, rainha de Ítaca, que só se desfaz para se poder refazer.” (1) É amando, vivendo, sendo feliz ou sofrendo desilusões que podemos sentir a essência do amor, porque ele supõe tudo isto. Sofre-se quando se ama. É-se feliz quando se ama.

Na verdade “amar não se conjuga no condicional. É bem possível amar um assassino. O amor não tem partes nem tempo usual. Tudo altera. Tudo inverte. Tudo perdoa. Não é só uma coisa por dentro. Para uma pessoa que ame, o mundo todo torna-se amável. Para uma pessoa que não ame tudo parece estar prestes a desmoronar-se sem mais se levantar. As avalanches, as crianças mortas, a angústia tanto dos ricos, como dos pobres. Nada saber fazer com as próprias mãos.” (1) E assim o amor leva-nos aos limites, cria-nos a nossa ilusão, o nosso mundo. Ficamos num pedestal, que quando o deixa de ser (se deixar de ser) torna tudo muito mais difícil.
“Por mais raro que seja o verdadeiro amor, é menos raro do que a verdadeira amizade.” (1), e quando falo de amor, falo-o em todas as suas facetas. Falo de um amor universal. Sim, porque tendencialmente associamos o amor à paixão. O que acaba por ser diferente. Oposto. Antítese. O amor é espiritual, a paixão é carnal. O amor é tão forte como a morte. Por isso digo que não amo corpos, amo mentes. “A paixão é uma doce e venenosa mentira que se quer mais do que tudo para que só ela exista.” (1)
O amor por definição é eterno, mas o prazer é fugaz, escapa-nos por entre os dedos sem deixar rasto. O amor “não tem princípio nem fim porque quem vive no seu presente vive na eternidade” (1). Ainda assim, não consigo deixar de pensar como é bom discorrer sobre o amor, pois as palavras flúem e quem disser que não se pode falar de amor em português, mente! É português que eu sou e é o amor em português que eu sinto.

A desilusão continua a ser o pesadelo de todos nós. Quando sofremos é como se parte de nós morresse, parte que dificilmente vamos recuperar, assim como não recuperamos o tempo perdido. E se depois da tempestade vem a bonança, estamos sempre na expectativa de uma nova oportunidade para amar. No entanto, “o amor é um animal selvagem que chega até nós em silêncio. Aloja-se em nós e ocupa cada ponto do nosso corpo, mais, toda a nossa vida. O seu poder é de contaminação total. O amor é esse conflito permanente: liberta e agarra, é doçura e amargura, refaz e desfaz, ressuscita e adormece, faz-nos sonhar e confronta-nos com a realidade pura e dura, dá à luz. Mas também tem o poder de nos matar. No amor oscilamos entre tudo poder ser e nada poder ser, a impossibilidade de tudo. É este o amor. É esta a nossa vida.” (1) Assim é porque o amor é infindável, e para o sentirmos verdadeiramente, temos de o apanhar como se fosse uma doença. Mas não somos nós que escolhemos se queremos apanhar essa doença.
O amor é infindável mas nele “há sempre um pouco de loucura” assim como “há sempre um pouco de amor na loucura” (1). O amor vem do coração, porque do coração vem a vida, que sustenta o amor. Na minha cabeça surge uma última pergunta: será que sempre se amou da mesma forma? Será que o amar pode ser falso? Ou quando é falso já não é amar? “Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.” (2) Será que o amor pode ser uma simples questão de comodidade? Ou não será mais uma complexa questão de mentalidade?!
Eu também quero fazer um elogio ao amor, porque sei que é difícil senti-lo, e como nem sei bem o que é, não sei se já o senti. Cada um entende o amor à sua maneira, eu acho que já o senti, e sinto, pelo menos pela minha família, pela minha língua, pela minha identidade, pela minha cultura. Amores certamente diferentes mas que para mim fazem sentido incluídos num só: o meu amor.
“Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.” (2) Dificilmente quero admitir que é verdade, mas tristemente sinto que acaba por ser. Outros valores falam mais alto, vedam o coração. Mas tudo isso depende da sociedade em que vivemos, que embora não seja o bode expiatório, também tem culpas no cartório, pois caminhamos todos nós para um lugar-comum, onde cada vez mais o amor pelos outros, ou até mesmo o amor próprio, são esquecidos constantemente.
Termino, finalmente a minha reflexão com a pena que advém das minhas dúvidas existenciais sobre o amor, mas de uma coisa eu tenho a certeza, o amor por muito indefinido que seja é algo que quero alcançar, elogiar, sentir, sublimar. Mas acima de tudo viver.
Amor não é ready-made, não é um serviço de self-service e muito menos de take-away.


(21 de Dezembro de 2006)

Citações de:
1 – Pedro Paixão, Ladrão de Fogo, Prime Books, Abril de 2005
2 – Miguel Esteves Cardoso in Expresso, 5 Janeiro de 2006

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