(Sebastian Sauvé shot by JD Forte and styled by Torian Lewin for And Men magazine)
Pus os pés descalços no chão frio, levantei-me e olhei para
o espelho. Não vi ninguém. Não me vi a mim. Deparei-me todavia com a minha
finitude, com a minha vulnerabilidade. Tudo aquilo que sempre evitei
relutantemente. Na altura, já tinha perdido a conta ao tempo... não sabia dia, nem
mês. A letargia era tal que prolongava o estado de corrosão em que eu me
encontrava. Despido sem estar nu, devastado mas sob o aspecto de uma estátua.
Existia no espelho um vazio que não podia ser preenchido, não
passava de uma ilusão de óptica na qual fingi acreditar. Continuei a olhar para
todos os recantos daquele longo espelho oval numa moldura de trabalhado barroco
e cor de cerejeira. Senti um peso no estômago, uma vertigem... pois pela
primeira vez confrontei-me com aquilo que eu era mas que continuava a não
conseguir ver. Os projectos e os sonhos que solidamente construí na minha
cabeça estavam agora em ruínas porque eu sentia o tempo a escapar-se-me pelos
dedos tal como a areia que escorre numa sinuosa ampulheta. Sentia-me incapaz de
reagir, cortaram-me os pés, as mãos, roubaram-me a voz e deixaram-me apenas os
olhos para que pudesse olhar no que me tornei e as orelhas para ouvir o que de
mal tinham para dizer de mim.
- A minha instabilidade lixou-me!, murmurei. Faltava-me a
certeza de que algum dia ia conseguir pisar aquele patamar que sempre desejei.
E neste estado nem sequer conseguia pensar em ninguém, só eu existia, ou
melhor, sobrevivia. Eu e o meu egoísmo, abraçados numa eterna indiferença.
Porque ninguém me compreendeu nem compreende. Porque ninguém tem o direito de
destruir os meus desejos, de se apropriar dos meus sonhos. Embora seja
persistente, o tempo pungente e implacável faz-me fraquejar... constantemente.
Quero apenas olhar-me ao espelho e sentir-me concretizado. Sorrir e receber um
sorriso de volta. Desejo que o meu esforço ganhe raízes e consiga florir numa
grandeza inimaginável. Espero deixar o meu cunho vincado na homogeneidade sanguinária
que se alimenta de inveja e fracasso. Quero sentir-me ímpar e perceber que
afinal não sonhei em vão, nem pedi o impossível. Quero extinguir os meus
defeitos e estimular a perfeição. Quero esquecer o dia em que me olhei ao
espelho e não me vi... o dia em que exigi demais... o dia em que o tempo me
castrou os sentidos.
Aos poucos o meu reflexo começou a surgir, muito lentamente
e de forma difusa como se estivesse a olhar para água. Antes que as manchas se
agregassem em nitidez, dei um murro no espelho e vi-o partir-se diante de mim.
Senti os vidros pontiagudos cravarem-se nos nós dos dedos... dei um passo em
frente e os vidros espetaram-se na palma do meu pé. A dor tornara-se num
conceito intelectual, o sangue pintava aquele cenário lúgubre e soturno e nele
afogavam-se as desilusões de outrora. Tento agora que o futuro não sufoque as
minhas convicções e caminho para uma reconciliação comigo próprio.
10 comments:
adoro o texto Zé! Sentimentos perfeitos! Quando escreves um livro?
Nao há palavras simplesmente. Simplesmente lindo e quem conseguir que interprete a sua maneira mas que sirva para evoluírem positivamente.
Beijinho
Gostei muito do texto. Mas acima de tudo gosto da maneira como escreves.:)
Mua.
Este texto é fantástico, parabéns :)
gostei imenso!!
INCRIVEL texto!!
www.pulsacoesplanetarias.blogspot.com
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O texto é bom demais!
http://withandlove.blogspot.pt/
amei o texto
http://withandlove.blogspot.pt/
Lindo Zé.. tou sem palavras mesmo. LY
Es su rostro!
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