Monday, July 16, 2012

Mirror, mirror

(Sebastian Sauvé shot by JD Forte and styled by Torian Lewin for And Men magazine)

Pus os pés descalços no chão frio, levantei-me e olhei para o espelho. Não vi ninguém. Não me vi a mim. Deparei-me todavia com a minha finitude, com a minha vulnerabilidade. Tudo aquilo que sempre evitei relutantemente. Na altura, já tinha perdido a conta ao tempo... não sabia dia, nem mês. A letargia era tal que prolongava o estado de corrosão em que eu me encontrava. Despido sem estar nu, devastado mas sob o aspecto de uma estátua.


Existia no espelho um vazio que não podia ser preenchido, não passava de uma ilusão de óptica na qual fingi acreditar. Continuei a olhar para todos os recantos daquele longo espelho oval numa moldura de trabalhado barroco e cor de cerejeira. Senti um peso no estômago, uma vertigem... pois pela primeira vez confrontei-me com aquilo que eu era mas que continuava a não conseguir ver. Os projectos e os sonhos que solidamente construí na minha cabeça estavam agora em ruínas porque eu sentia o tempo a escapar-se-me pelos dedos tal como a areia que escorre numa sinuosa ampulheta. Sentia-me incapaz de reagir, cortaram-me os pés, as mãos, roubaram-me a voz e deixaram-me apenas os olhos para que pudesse olhar no que me tornei e as orelhas para ouvir o que de mal tinham para dizer de mim.


- A minha instabilidade lixou-me!, murmurei. Faltava-me a certeza de que algum dia ia conseguir pisar aquele patamar que sempre desejei. E neste estado nem sequer conseguia pensar em ninguém, só eu existia, ou melhor, sobrevivia. Eu e o meu egoísmo, abraçados numa eterna indiferença. Porque ninguém me compreendeu nem compreende. Porque ninguém tem o direito de destruir os meus desejos, de se apropriar dos meus sonhos. Embora seja persistente, o tempo pungente e implacável faz-me fraquejar... constantemente. Quero apenas olhar-me ao espelho e sentir-me concretizado. Sorrir e receber um sorriso de volta. Desejo que o meu esforço ganhe raízes e consiga florir numa grandeza inimaginável. Espero deixar o meu cunho vincado na homogeneidade sanguinária que se alimenta de inveja e fracasso. Quero sentir-me ímpar e perceber que afinal não sonhei em vão, nem pedi o impossível. Quero extinguir os meus defeitos e estimular a perfeição. Quero esquecer o dia em que me olhei ao espelho e não me vi... o dia em que exigi demais... o dia em que o tempo me castrou os sentidos.


Aos poucos o meu reflexo começou a surgir, muito lentamente e de forma difusa como se estivesse a olhar para água. Antes que as manchas se agregassem em nitidez, dei um murro no espelho e vi-o partir-se diante de mim. Senti os vidros pontiagudos cravarem-se nos nós dos dedos... dei um passo em frente e os vidros espetaram-se na palma do meu pé. A dor tornara-se num conceito intelectual, o sangue pintava aquele cenário lúgubre e soturno e nele afogavam-se as desilusões de outrora. Tento agora que o futuro não sufoque as minhas convicções e caminho para uma reconciliação comigo próprio.

10 comments:

Unknown said...

adoro o texto Zé! Sentimentos perfeitos! Quando escreves um livro?

Liliana Ferreira said...

Nao há palavras simplesmente. Simplesmente lindo e quem conseguir que interprete a sua maneira mas que sirva para evoluírem positivamente.
Beijinho

Catarine Martins said...

Gostei muito do texto. Mas acima de tudo gosto da maneira como escreves.:)
Mua.

Ana Sofia Ferreira said...

Este texto é fantástico, parabéns :)

Anonymous said...

gostei imenso!!

Ravenna Moreira said...

INCRIVEL texto!!





www.pulsacoesplanetarias.blogspot.com
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Carlota said...

O texto é bom demais!


http://withandlove.blogspot.pt/

Carlota said...

amei o texto

http://withandlove.blogspot.pt/

5joanaa said...

Lindo Zé.. tou sem palavras mesmo. LY

Unknown said...

Es su rostro!