Sempre que eu estava sentado à secretária costumavas apoiar-te no meu ombro, com os braços cruzados. Gostavas de me vir perguntar o que é que eu estava a fazer ou dizer-me alguma coisa ao ouvido. Daquelas que me desconcentravam e me davam vontade de te agarrar... os meus braços à volta da tua cintura, as minhas mãos por debaixo da camisola que vestias, os meus dedos a sentir as tuas vértebras e as covas que tens nas costas... os teus braços à volta do meu pescoço. Eu era muito feliz contigo. Pretérito imperfeito, eu sei. E imperfeito era tudo aquilo que eu não queria ver.
Até certo ponto, achei que tinhas paciência para mim, achei que me percebias. Juntos formávamos uma equipa e apesar de sermos pessoas completamente opostas, fazíamos sentido. Connosco, 2 + 2 eram um sem número de
hipóteses inverosímeis. De tal forma que me questionei se toda a nossa química não ia resultar um dia na explosão de todo o laboratório.
O sentimento era uma espécie de
embriaguez... eu não estava lúcido, de todo. E quem me conhece sabe bem o quão pouco gosto de perder o controlo sobre mim próprio. Sou provavelmente aquilo que se denomina de
control freak. E já que estamos numa de estrangeirismos,
I let myself go e perdi-me no labirinto que criaste para me engolir eternamente. Aquele labirinto era impossível e eu para além de não perceber, também andei às voltas, num quebra cabeças... que no final acabou por ser um quebra corações. Plural não, singular que eu só tenho um. As palavras cruzadas começaram a não ter espaços suficientes... porque eram silêncios. Silêncios teus. Não sei se estavas à espera que os entendesse, não sei se foi a maneira mais fácil de conscientemente me excluires de ti. Foi angustiante e inesperado. Nessa altura eu estava sozinho... sem ter para onde ir.
Desapareceste. E eu fiquei ali. Agora nem metáforas tenho para explicar aquilo que sinto. O vazio. Já alguma vez te perguntaste como será? É escuro e triste. Não sei bem se tem paredes porque não as consigo ver... a sensação é a de que estou sempre a cair. É frio. Gélido até.
De facto, não sou
descartável, mas foi esse o uso que me deste. Fizeste-me acreditar em ti de uma forma predatória mas sedutora. Se valesse a pena, castigaria a minha ingenuidade. Fui tão estúpido e ainda sou por estar aqui a escrever. Escrever!... tem piada porque até essa vontade me tiraste. Incrível, nunca pensei que alguma vez pudesses ter estes
efeitos colaterais. Nunca pus essa hipótese sequer.
Seguiste como se nada fosse. Olá, hoje. Adeus, amanhã. Tão simples quanto isso. Não olhaste para trás sequer. Para mim foi fulminante... como um fósforo...
à medida que ardia, ia queimando. E foi em cinzas que fiquei. A questão é que a lenda da fénix não passa disso mesmo: uma lenda. Por isso não houve renascimento para ninguém. Muito menos vento para levar as cinzas em que me tornei. Gostei demasiado de ti e fiquei inábil. Sem pensar. Absorto no teu último olhar... que mal consigo recordar porque não imaginei que fosse o último. Lembro-me sim que era triste, sempre foi. Aliás, eu era a tua parte mais feliz. Essa tua melancolia foi aquilo que nos equilibrou... as tuas imperfeições pareciam-me românticas. Trágicas. E os papéis inverteram-se. Absorveste-me e depois deixaste-me, como se fosse um despojo. Um peso na consciência, talvez. Na tua, claro!
Acho que nunca fui tão verdadeiro com ninguém. Agora vejo o senão dessa minha entrega altruísta. Se não fosses tu, a esta altura eu continuava sentado à secretária. Afinal
bastava que fechasses a porta ao sair. Porquê? Porque também a soubeste abrir quando quiseste entrar.