Estás longe. Tão longe que já não temos a possibilidade de criar aquilo que um dia projectámos. Eu continuo a amar-te à mesma. Em silêncio. Vejo-te em pequenas coisas, detalhes. Imagino-te. Minha. Ainda que nunca te tenha sentido como minha, alastra-se por todo o meu corpo um arrepio tão inexplicável como as lágrimas que correm rosto abaixo. Dolentes, amargas até. São por ti. Por gostar de ti e não te poder ter. Assombra-me a hipótese de um dia ter tido essa oportunidade, não me pareceu remota. Estivemos perto. Muito perto. O que eu senti tenho a certeza que também sentiste. Conhecemo-nos de tal forma que chegava a ter piada como lidávamos um com o outro. Uma relação de toca e foge... de quanto mais me bates mais eu gosto de ti. Se na altura tinha dúvidas, elas pouco a pouco foram desaparecendo. Quando já estavas fora do alcance, quando já não te avistava no horizonte de um sol posto. Nesse momento, às escuras, tomei consciência. Deixei-te fugir. Foi isso. Deixei-te escapar de uma maneira tão furtiva que o nosso instante foi a presa de um impiedoso predador.
Será que vale sentir de forma tão intensa? As borboletas na barriga morreram asfixiadas, levaste-lhes o ar. Ficou um vazio desconcertante que insiste em habitar-me, pesado. E este meu estado tem dias, sabes? Há dias em que esqueço completamente. É algo latente ao fundo de uma sala de porta fechada. Há outros dias em que as paredes da sala desabam e o latente passa a dor.
Não posso odiar-te nem culpar-te. Se há um culpado sou eu. Mais do que culpado, arrependido por não te ter conquistado. Eu o príncipe conquistador. Tu a princesa que vive na torre do castelo. Uma investida de armas e cavalo branco. Imaginas? Eu também! Contigo não eram necessários jogos, nem hesitações, nem inseguranças. O que existe agora é um deserto entre nós. Tão difícil de caminhar nele. Sem garantias. E do outro lado estás tu, feliz, e isso basta para que o tempo venha e me dissipe este impasse.
Acordo num purgatório onde sinto a minha pequenez. Estou despido de qualquer convicção e deixo-me absorver por um pessimismo que me leva a um lugar obscuro e vil. Sinto as lâminas e o vidro por onde escorre o sangue que o meu coração continua a cuspir. Deixo ir a parte de mim que quer cair na incerteza.
Tomo mais um comprimido. Sei que me vai deixar absorto e apático, fraco e sonolento. Isto já não é por ti. É por mim. Pela angústia que o futuro fatalmente me traz. Um futuro solitário e egoísta. Estou preso entre o que devo fazer e o que quero fazer. Entre o que me deixa triste e o que me faz realmente feliz. Entre a sobrevivência e a dependência. Entre uma afiada espada e uma rugosa parede. Entre a responsabilidade e a liberdade. Preciso das duas mas não lhes encontro a dose certa. De uma tiro os benefícios da outra tiro o proveito. Uma é a terrível ressaca a outra a gulosa embriaguez.
Refugio-me nas palavras que, aos soluços, se juntam e fazem um sentido tremendo. Justificam o meu espírito insatisfeito. Dão-me um conforto efémero. O conforto que tu de outra maneira me poderias dar. É aqui que também fazes sentido. Comigo.
Tento encontrar um lugar para mim mas não me ajusto em lado algum. Sou simplesmente eu, comigo próprio em sítio nenhum. Continuo a procurar e a procurar-te. A procurar alguém que comigo dê a equação certa, para que dela façamos o lugar que agora não encontro. Quero tempo. Muito tempo. Não o tenho. E é essa inevitabilidade que me por vezes me faz querer arriscar tudo o que tenho, outra vezes abre-me o caminho para a minha auto-destruição. Enquanto me defino, o tempo passa, galvanizador, implacável. Com ele leva a possibilidade do tudo ou nada ser, de tudo ou nada ter.