Não sei bem por onde começar porque nem sei bem como tudo começou. Pensando bem, acho que nem sequer teve um
início. Sei que agora sou diferente do que era. Mudei. Todas as minhas
certezas foram abaladas e afinal parece que não me conhecia assim tão bem. Nem sequer sei explicar aquilo que realmente sinto, nem aquilo que quero. Fiquei sem certezas, só
dúvidas. Dúvidas que me tiram o sono. Dúvidas que me deixam com saudades. Dúvidas que permanecem e me deixam vulnerável.
Sem chão. Sem sol. Sem força.
Perdi a inspiração. As palavras não escorrem, como costumavam escorrer. O brilho dos meus
olhos embaciou-se. E agora só me restam as lembranças daquilo que podia ter sido.
O coração salta-me pela boca. Frio. Gelado. Vazio. E esteve tão bem guardado durante todo este tempo. Numa
caixa. Preta. Escondida. Esquecida. Até ao dia em que ficou grande demais e encontrou a maneira mais improvável de abandonar a caixa.
Não tenho sono. Estou
cego. Impaciente. Quero tudo, mas não quero nada. Não sei quem sou. Estou a cair, porque não tenho chão. Estou a cair e não sei quando vou parar. Acho que agora percebo a Alice. E afinal lá porque eu senti não significa que tudo isto exista. Pode ser uma
ilusão. Um pesadelo. É possível sermos almas? Almas que se ligam de uma forma tão
inteligível que vai para além de tudo aquilo que pensávamos ser certo? Será que se eu fechar os olhos, quando os voltar a abrir ainda vou estar aqui? Preferia pensar que tudo era mais fácil e
controlável. Era mais fácil se conseguissemos controlar, ter dentro da palma da mão e conseguir exteriorizar e jogar com os peões. Para ser melhor. Para evitar o pior. Em vez de tudo se desmoronar agora, preferia que se desmoronasse depois.
Mas de que vale prolongar a cegueira?Estou num
limbo. Num sítio incerto. Cheguei a pensar que era o
purgatório dos sentimentos. Onde dissecaram o coração que outrora havia habitado uma caixa preta dentro de mim. Estou a oscilar entre o estar aqui e o não estar. Entre o que fui e o que me tornei. Estou a cambalear na minha
insegurança, na eterna procura daquilo que realmente quero. Sem pensar que muitas vezes o que realmente quero nem sempre é aquilo que é melhor para mim. De facto, prefiro ficar cego.
Prefiro não ter direcção. Nem rumo. Só sei que aqui não quero ficar. Posso seguir em frente para o desconhecido. Ou voltar atrás, sabendo que o atrás já não vai ser o mesmo atrás pelo qual passei. Não que esteja
diferente, mas porque agora eu estou diferente e sei que vou olhar com outros olhos. Ou nem olhar sequer. Afinal esqueci-me que sou cego. Mas mesmo cego opto por
carregar o piano* e chegar à sala errada. O
cansaço ensinou-me de que vale sempre a pena.
P.S. Referência final ao texto "Carregar pianos" do blog da Dezperada que passo a citar:
«Carregar pianos. Escada acima, quatro andares sem elevador. As costas doem, os braços tremem, as curvas da escada são uma equação impossível de resolver, tudo é difícil, tudo é esforço, tudo é inglório. E o amor transforma-se numa luta, num sacrifício, somos mártires da nossa loucura, flagelados pela nossa obstinação e teimosia. E o pior é que, quando chegamos ao fim da batalha e o piano está lá em cima, não era aquela sala, nem aquela casa, nem aquela pessoa.» by Dezperada